domingo, 30 de outubro de 2016

Leis





lei da relatividade,
os dias são longos para quem espera
e curtos para quem esquece

lei da intransponibilidade,
não há maior distância que a ausência de desejo
de um para o outro

lei da gravidade
o vôo é a marcha do insustentável
brincando de roda

a lei é o que oprime, enfim
minha metafísica
permanentemente...


outro lado




eis o que faltava,
um pouco de música...

enquanto se perde no ar
distraída
lembra a magia perdida
sonora, no estado de ser
entre tudo

mas agora
no ápice dos erros
das dissonâncias dos sons partidos
e rupturas superpostas
abre-se um vale de pausa
quando, enfim, todas essas forças se anulam
para o grande estranhamento
que dá nome às coisas
numa língua sem sabores, apenas intensidades

corpo
máquina de gostos
máquina de sentimentos
incabível
incabível serenidade de um um rosto
ante ao que pensamos ter vivido
apenas a calmaria nesta face do lago
espelho do outro lado
que não é mais profundo que os olhos
nem mais sincero que a pele
aquietando cada parte

apenas um instrumento sem o toque
pronto, mas sem as plumas
para deslizar em suas cordas
e percorrer as curvas dessa escultura humana
lentamente

um pouco de música, por favor
já seria o bastante para um sorriso


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O Pote
















Dona moça
me dá um copo d'água
pra matar essa sede
que não me deixa pensar
sede do tamanho dessa tão comprida estrada

um copo d'água
com o frescor bem parecido
com seu rosto sereno
uma sombra na jornada
um copo pequeno

água limpa dum poço escuro
minada da terra
guardada no pote
de barro vermelho
vermelho bem rubro feito o coração

Dona moça me diga
o que tem no pote
que não importa o tempo
a água é bem fria
vai enchendo um copo por dia
mas fica vazio na escuridão

Dona moça, obrigado
já volto à jornada
mas a sede não passa

Sinhá moça, sei
agora levo comigo
da água, o frio
do pote, o vazio
do tempo, o caminho
mas a sede não passa...







sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Pavio


















onde é o lugar,
para aonde subiram os ares do tempo
que o dentro e o fora permaneciam imersos neles
e sabíamos que estávamos neles
pelo incontinente sorriso no rosto e olhar
e por tão leves estarem nossos corpos e almas?
tão desarmados e dispostos
a brincar nesse quintal mundo
extremo oposto da escola
da sala, da sela

brincar de nada dizer ou fazer ao certo
apenas ter o outro ali
única regra válida do jogo
inventando novas regras
para logo esquecê-las
invertê-las

como pode hoje estar o outro ali
sem a ventura
educado, marcado
armado em pensamentos
empenhado em ganhos
a manter única regra densa
vestido, coberto
amedrontado e protegido
encenado

como pode nestas águas
ser escafandrista,
neste sol, estar sob um teto
ou não saber o vento
por trás da janela?

pobre desgosto
nem sabe virar o tempo
permanece revestido de sua segunda pele
esperando um acaso
um amor, talvez
para acender este pavio