sexta-feira, 26 de agosto de 2016

murmúrio






quem são estes leitores?
esses que buscam entender ou deleitar-se no conforto do belo
na ressonância de versos que venham a parecer deles
coincidindo com as palavras presas
pela censura mordida para não cantar suas canções?

que coro mudo é esse de corujas murmurando
regido pelo medo de entoar a voz
para não descobrirem sua espécie
como se o mundo fosse feito para aves canoras?

que música cantarão
in cuius tonis
em que língua ressonarão seus sentimentos
em que andamento andarão?

quem lê teme saber todos os verbos
saber bem demais
ter vestido um deles
e retirado da conjugação

cantarolar no banheiro
fazer do eco espelho
achar o tempo, o andamento
improvisar...

só sabe ler quem cantarola
pois sabe o valor das pausas
e até mesmo esses tempos mudos
do vácuo do absurdo
pulsam no coração







sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O apanhador




era assim...
quando o sol se punha na baía
infestando de ouro as paredes
ardendo cores quentes
despertando sombras inacabadas
como histórias mal contadas

um ouro que nenhum rei tiraria
que em nenhum ombro pesaria

manchas do tempo imperfeito
perdidas no portal de um crepúsculo
encantador de olhares
a diluir pensamentos
quando suave no rosto

era assim
redesenhando a cidade
enchendo os ares
lançando a calma
sobre todas as coisas

o belo chega sempre como a tarde
breve e imenso
e passa esmaecendo
como arte que se rebela
deixando as telas vazias

mesmo o sol, esse pintor arredio
não pode me levar esse instante visionário
de meus olhos fechados
nem sabe que o roubei

guardo e não me pesa
nem perderei

é assim...














segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Mot




até parece que vem de fora
o que embala os motivos quentes
que antes eram plantados na alma
e hoje são pousos breves

de fora ou de qualquer lado
até parece que se espera
algo vir, acontecer
cair do céu
como se o mundo fosse conspirador
dos destinos repentinos

dentro se cansa da espera
desconfia e se cala
suspeitando já ser tolo
o inventar a vida

tal como um desejo cansado
que não se finda e nem sabe se manter
não se acerta, rancoroso

até parece que é em algum lugar do corpo
ou nele todo
que fica engavetado
esse rascunho louco
sem se manifestar

ao menos ele está
enquanto a impermanência o desafia
e o ridiculariza
como se fosse isso uma vitória
colecionando cansaços

talvez a alma também precise de descanso
depois desperta...

quando? não se sabe
apenas sei que seria bom
se fosse como uma noite de sono