terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Banquete n. 2






nào há mais o que dizer das coisas
não se moverão ao seu sentido chamado
mesmo que sejam ditos seus nomes

serão as mesmas coisas indialogáveis
além de nossos delírios de voz e vento

boa conversa entre os dentes e a comida
uma dúzia de dedos despencam pelas mãos
os cabelos arvorando um sombreado abrigo
para os incontáveis cachos da memória
teu prato principal, mudo de sabores impronunciáveis
teu sentimento pleno, teu cálice rubro
da videira cor de sua estação

toma-o em silêncio







domingo, 23 de fevereiro de 2014

Das coisas






preciso crer no que guardo
mesmo que a permanente força da clausura
insista em tempos maiores
como se fosse possível dar-lhe uma medida
fragilizar sua existência
com a solidez que lhe põe em ruínas
lhe atrita com a brisa e a tempestade
até ser o que era antes do despertar do mundo
até transformar-se em si mesmo



sábado, 15 de fevereiro de 2014

confronto








mundo amado...
amigo generoso a desdobrar sua riqueza
acolhe as mãos vazias e quentes
mãos que pertencem à sua primavera
que se guardam cúmplices para o cuidado que carece o mundo
se completam presentes e adornam a festa da vida

mundo que espera os visitantes raros
que passam pela invenção de sua porta

os muitos lugares que transportam para sua eternidade
parecem ficar mais felizes
quando esses te habitam, imersos em sua realidade
sua matéria, simplesmente...
no além e no instante
no possível
no encanto imortal do que existe em seu tempo
e no tempo desconhecido
mas que basta para a existência
para o real
e para o esquecimento






quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

a mãe d'água




quando pequeno quase me levou o rio
sua água de barro e meu olhar profundo
brincando com a luz turva do céu
e não sabia que fantasia fora aquela
me transpondo ao entre-mundos
plasmando aqueles pouco segundos frios
me desnascendo dos humanos
no seio da mãe d'água

pouco me lembro
mas não temi aquele novo estado
contemplando o desconhecido
como tocaria o rosto de uma fera
para sentir o seu pelo e sua forma bela

assim o destino me regressou
tragado pelos pés com o mundo invertido
estranho para o meu estado líquido
ridiculamente posto a favor da gravidade
renascido súbito pelas mãos fortes de meu pai
e o espanto dos limites do que pode um ser
quando brinca com areia a beira do abismo








domingo, 9 de fevereiro de 2014

Leveza da pele



no pouco uma mão desenha o vento
com dedos longos, inseguros

no imenso céu, plana o dia
acariciando teu ventre vazio
onde vaga o pensamento esquivo
sem o pousar leve da memória

e pode decidir por qualquer caminho
sem que o acaso afronte
sem que um canto desperte a terra
sem o reencontro dos pesos sensíveis
que ensaiam a inexistência
desesperadamente nus
silentes...










quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

As 24 horas de uma palavra







só há mesmo o que é concreto
e mesmo assim se desmorora lentamente
no limite do tempo que move o mundo
precipitando uma poeira sólida ao chão
na iminência de desenhos e rastros de uma inquietude
displicente e vaga em seu combate

melhor reduzir-se ao perto
e se entregar ao que sustenta
ter os pesos igualmente medidos
brincar com o que tem e rir da falta, desdenhar dela
ter a consciência de um rei que não passa de mais um qualquer
e sabe, ridiculamente, ao ver o reino inventado e frágil
nos requintes dos bordados

ainda melhor se se entregar à cama
ao amor do sono que sabe o que é necessário
quando persiste a invenção dos sonhos
e acontece o que precisa um corpo
pesar em um outro tempo
no suave e terno lençol
como a irrealidade de nuvens brancas

é preciso abrir os relógios
e ver que o tempo não existe
ver o engenho da vida e seus senhores,
fragmentar as coisas
os grãos da ampulheta inquietos revirando-se
até que sejam congelados por uma existência
e usados como pedras, em um whisky
boiando e reverberando sons dispersos...
e que não nos façam perceber que passou mais um dia