quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Impromptu





o mesmo caminho.
sempre o mesmo de repetidos dias
com muitos desvios possíveis
mas seria o mesmo
naquela e em tantas outras tardes

já sabia onde pisar sem levar tropeço
conhecia o melhor canto por onde ir nele
sabia onde eram as fendas, os relevos
e até as pedras que mudaram de lugar
sabia mais que as casas, das vidas imóveis

tanto sabia que não me preocupava
ia como cavalo que volta do serviço do campo
já dispensando as rédeas do vaqueiro
desarmado dos arreios
sem discordar das coisas
qualquer delas

naquela tarde o caminho já não existia
além de um pensar bem distante dos pés
era um lugar nenhum, tempo algum

a tarde não se repetia nunca
mas esse mergulho era a saída
que me fazia ser cavalo
que ouve o som de suas ferraduras
improvisando melodias na pauta da rua

ia levando um sorriso
por estar inapropriável, indômito
porque era uma estranha liberdade
o não debater-se com o mundo
e seguir apenas improvisando
bem baixinho pra ninguém ouvir








domingo, 18 de outubro de 2015

tragicomédia




eu tento convencer minha vida
que os passos que dou nessa rua
parte em pedaços o chão
pedra nua do coração
se ela fosse minha avenida
eu subiria na contra mão
ou seria rua esquecida
beco sem saída, esquina
dos bares de muitas canções
casa de poeta alugada
árvore da beira da estrada
em noites de breu e luar

vou pela rua dos desenganos
tentando fazer outros planos
sem de novo ficar na mão
dum verso de uma poesia
corda bamba cada dia
que fica iludindo meus pés
achando que tudo é destino
um circo no olhar de menino
achando que era uma vez
uma flor numa folha vazia
a espera de uma melodia
do pantomineiro outra vez

eu preciso sair dessa vida
preciso achar a saída
e encontrar de vez meu lugar

eu preciso perder esse costume
essa coisa que me consome
de sempre querer, de querer te encontrar

preciso sair dessa vida
de me afogar na bebida
depois ir tombando pra beira do mar

preciso perder essa memória
subir a ladeira da glória
depois ir sambando pra beira do mar
tombando e cantando, pra beira do mar








segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Fuga Nº 2





narrativa silenciosa dos objetos
numa língua morta
Lázaro instante em que as vejo
e contemplo de minha frágil trincheira

dias de guerra fria
mutilações incorpóreas
mapas perdidos nas travessias
guerra sem lados
sentinela insone
confrontos da espera

são apenas os dias
nada mais que isso
nada mais que o exército de coisas
o pão da padaria
o café, o vinho
o preço e os produtos
a lista de necessidades em marcha

no pouso dessa jornada
mesmo que a fumaça do cigarro
insista em me lembrar de nuvens
e a me desarmar a pele
será como um soldado
deitado na campina
desertor da guerra
olhando o céu