domingo, 24 de março de 2013

Soledad




Enfim à sós com o inesperado, com o tempo e mais umas coisas poucas para o caso de precisar delas.
Insisto com este corpo irreversível. Máquina experimental de uma vida inquieta
descascando todas as fotografias até chegar na semente
solamente...

e tantas lembranças flamulando como bandeirolas num dia de festejo.
Incontáveis e sem que eu possa sabê-las por inteiro.
Mas as sinto como numa rua, numa praça de interior. Meu interior, minha vida....
festejo a vida com as ruínas e as plantinhas verdes brotando nelas
Com o olhar das janelas, com as luzes na noite e o brinco de estrelas que não sei o nome
e canto...

Um gole e uma canção pra saber que a solidão não pertence a apenas um
Ela nos iguala, nos diminui, nos torna mais humanos, humanamente inspirados ás cantigas
Para passar os dias todos e cada dia inesperado
Pra resistir, pra permitir um sorriso
pra voltar e esquecer que não somos para sempre...
solamente...




sábado, 16 de março de 2013

Grande homem



É grande o homem que é pequeno
Que nega as alturas
E põe toda sua existência na dimensão de seu corpo
No limite de sua força, na agilidade, no suor, nos pesos que levanta
Na corrida que lhe põe à prova, com poucos diálogos com a inteligência
Deixando-a sem alimentar o suficiente para ela não se libertar
Grande esse homenzinho comum, invisível, feio e ignorante
Completamente cercado de problemas menores, rasos
Ou problemas rudes
Longe dos problemas complexos, refinados... como alguém que prefere não mexer
para que suas mãos não destruam com a indelicadeza dos calos
A inflexibilidade das mãos e do seu olhar
Esse grande homem que guarda seu sentimento simples
Que não vê muitas cores
Que não ouve muitos timbres
Mas que pedala esvoaçadamente uma bicicleta, atrasado!
Que emprega sua potência, toda, ali, indo desesperadamente.
Habilmente, realizando proezas do corpo numa bicicleta, atrasado...
Sem se importar com o resto do mundo, preso num mundo seu, atrasadamente louco
Navegando entre os automóveis de ferro
Como carne entre ferrovias, rápido
Esse grande homem caído e atrasado
Com sua bicicleta desforme
Com rosto sereno... leve, caído
Que não diz de sua vida mínima em seus momentos seus
Momentos talvez de querer uma outra vida
Ou uma outra bicicleta nova
De ir numa festança, onde tem mulheres...
De fazer um jogo... de saber do jogo
De comer um pão com ovo e café com leite...
E agora, para sempre sem tempo
Não sabemos se conheceu alguém para avisar...
Nem se ele se disse...
E e nem dá pra saber se ele amava



domingo, 10 de março de 2013

Fuga nº1





Nas lacerações do pensamento
O corpo ainda se sustenta
Amargo
Assim são os cortes todos
Planos, retos, implacáveis
Espelho cego a dividir a face entre luz e sombras
Entre  riso e espanto
A inteligência, além e sobre tudo, mantem íntegra a forma
Como uma ração necessária aos encarcerados
Esses seres domésticos na dança da liberdade do quintal
Enquanto cercas com farpas desafiam a carne dos sentidos
Enquanto os muros abrigam os desvalidos
E outros se amam com frases breves
Com riscos e manchas descoloridas
Embora cortes também dividam
Cortes renovam as ramas
Salvam vidas
Até mesmo dos que não sabem o que é viver




terça-feira, 5 de março de 2013

Polifonia














Minha solidão abarca meus segredos
Fico a derivar meus motivos por úmidos caminhos
A matar minha sede com espinhos verdes e flores secas 
Como hélices de moinhos de Van Gogh 

Sim, agora o deserto, com versos de vento e areia,
Me afoga com o raso e o profundo,
Com o azul e o sol. 

Me findo contemplando pipas fecundando nuvens
Sem saber voltar ao chão 
Aves sem patas na apologia das distâncias 
No limite do carretel

E na redenção da noite,
No ensaio polifônico das bocas malditas
No apedrejar de líguas à humanidade
O resgate tácito do sensível pelas sombras e olhares
Entrepoemas, 
Manifesto canto
Livro, copo e fim.