segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Da Gaiola para o Quintal...

Tão esperada, que aqui esteve,
Como Zéfiro, alento da natureza,
Deixando um rastro de luz que espraia...
No silêncio de minha harpa, chispou um acorde em tom menor...
Com o tanger leve de sua asa...
Até mesmo o pássaro que já dormia, despertou querendo cantar...
Foram os cachos de fogo da moça que passou,
E no teu voo anelado, da cor do dia
foi tão encantado! Por isso cantou,
O pássaro do sonho acordado
Que nunca voou...

A Donzela e a Brisa

Mansa e leve, a brisa
que tão indiferente desliza,
nos traços daquele belo rosto,
Sereno e sonhador...

Quem dera fosse o vento as minhas mãos
e como asas, abanasse
a donzela que adormece...

E fossem os meus olhos, eclipses da lua
que te contemplasse nua,
Vista da janela...

Naquele corpo, deserto
Se as roupas,como acampamentos,
guardassem ternos meus tormentos,
Na tenda de seda cor de céu,
Seriam eles sonhos teus,
Tendo os desejos todos meus cobertos...

sábado, 26 de abril de 2008

Comentário Esquizito

Não sei se já é hora para se tecer um comentário ou se é cedo, ou inadequado, ou tantas outras coisas, mas, depois do que temos apreendido e nos influenciado com o curso de esquizoanálise que Valter Rodrigues vem desenvolvendo com o projeto USINA, acredito que a livre expressão é algo que participa de todo o processo que vem sendo trabalhado nas reuniões. De modo que não vejo por que não fazê-lo!

Poderia ser um discurso apologético de estatificação da figura do professor, não para elevá-lo ao nível do que seu próprio mérito adquirido com sua experiência de vida que já o confere, mas para me aproveitar desse discurso para me caracterizar como um “representante” digno e capaz de avaliar e concretizar essa estatificação. Um elemento necessário para os dispositivos de ativação de vaidades pessoais.

Ou até mesmo um discurso “discursivo”, citando partes de textos e frases de modo que fosse possível verificar a consistência e a profundidade que mergulhei no assunto. Mas, ao invés disso digo simplesmente, não sei se consigo pôr em prática um décimo do que me vem sendo revelado. Digo não somente o que me vem revelando o professor, mas todo corpo enunciativo coletivo que em alguns momentos manifesta a multiplicidade de ângulos e percepções que abrangem aquele universo de significações possíveis, que em um único ser não seria possível abordar em tão pouco tempo, e de forma tão espontânea e idiossincrática.

Poderia, como é comum, partir para uma série de elogios e considerações sobre aspectos positivos, etc. Mas nem isso podemos saber ao certo. Qual valor tem. Se positivo ou negativo. Pois o que mais tenho presenciado são as dificuldades de tornarmos a compreensão daqueles esclarecimentos em sentimentos, e estes em decisões.

A clareza com que a justaposição de liberdade e poderes se confrontam nos é exposta de forma tão tranqüila, ao passo que o reconhecimento de nossos próprios paradoxos nos vem inquirir um posicionamento, já que existe uma nova gravitação. E nela levitamos suspensos em uma liberdade descompromissada, porém, potente.

È como, mesmo sabendo que podemos andar, ficarmos parados... Sentir vontade de andar e temer. Mas sei que uma resistência original foi iniciada para promover uma gravitação de plenitude ainda incompreendida, porém, sentida, percebida em breves momentos. Um direcionamento que se confunde com uma arte de vida. Uma porta que se abre para retomar o ponto em que o ser humano se perdeu da sua plenitude de vida e construiu um mundo para substituir a realidade. Quem sabe, até mesmo essa construção substitutiva deu voz a muitas realidades que ridicularizam nossos fins, e passam silenciosas como objetos mortos como as linguagens em si sem uma manifestação autêntica dos seres.

Bem, essas são minhas poucas conjecturas acerca daquilo que eu não inventei, mas li, nos olhos de meus colegas e traduzi tão vagamente... Se vocês leram e ficaram voando, é porque sentiram a nova gravitação. Pelo menos um pouco dela...

João Omar

terça-feira, 15 de abril de 2008

O Pote

E tava passando o cortejo...

Passando bem na frente da casa de seu Leôncio...

Todo mundo acompanhando e carregando o defunto, carregado na rede pendurada num varão que ia de ombro a ombro, e que não podia de jeito nenhum escorar no chão. Só na cova onde fosse plantar o defunto, senão o lugar onde tivesse pousado ficaria assombrado!

E pra “plantá” os defuntos tem que ter “ciênça”. Não pode ser em fileira feito as covas de maniva de mandioca não, senão todo dia tem gente morrendo que não chega! Tem que ser um num canto, outro no outro, outro no outro... Em cruz.

Aquelas bandas era região onde sempre passava Jagunço, Cangaceiro. Os revoltosos! Tinha os que apoiava eles e outros que não. Seu Leôncio era um que não apoiava e sempre tinha intriga de Jagunço atrás dele. Mas eles não conseguiram matar o seu Leôncio não. Ele morreu do coração. De morte natural.

Mas conta que uma certa feita dois Jagunços vieram pousar na casa de seu Jesuíno, que costumava apoiar esses cabra, que em troca não fazia nada com ele, nem nas terra dele. Já era do conhecimento deles que seu Leôncio possuía uns colares de ouro e que costumava enterrá-los dentro num pote pra ninguém achar, nenhum Jagunço, ninguém! Nem os familiares. E diziam também que ele “invultava”. Invultava que ninguém via...

E esses dois Jagunços rumaram pras banda da casa de seu Leôncio no cair da tarde, com a intenção de capturar seu Leôncio e fazer ele dizer onde estavam os colares de ouro, o Pote.

Conta que quando foram chegando, a mulher dele que tava na porta, recebeu uma cusparada de balas que passou raspando a criança que ela tinha o colo. E a porta já era “rendada de bala” de tanto Jagunço que já passou por lá com as mesmas intenções.

Seu Leôncio, na mesma da hora pegou uma capa preta de invultamento, se cobriu e invultô!

Sumiu que ninguém viu...

Conta uns que ele se escondia numa gruta lá perto da Pedra Branca, que tinha as paredes rosadas e cheio de uns rabiscos.

È! O cortejo de enterro, que me esqueci de dizer, era do seu Leôncio, que morreu do coração, enquanto plantava mandioca. Morreu com uma maniva na mão.

Não sei se o pessoal que tava carregando deixou o corpo arriar no meio do caminho, mas só sei que tem uma Aroeira velha no meio da estrada pro cemitério que nas noites, o povo costuma dizer que seu Leôncio aparece pra assombrar os passantes.

Será que foi lá que onde escondeu o Pote?

O Pote

E tava passando o cortejo...

Passando bem na frente da casa de seu Leôncio...

Todo mundo acompanhando e carregando o defunto, carregado na rede pendurada num varão que ia de ombro a ombro, e que não podia de jeito nenhum escorar no chão. Só na cova onde fosse plantar o defunto, senão o lugar onde tivesse pousado ficaria assombrado!

E pra “plantá” os defuntos tem que ter “ciênça”. Não pode ser em fileira feito as covas de maniva de mandioca não, senão todo dia tem gente morrendo que não chega! Tem que ser um num canto, outro no outro, outro no outro... Em cruz.

Aquelas bandas era região onde sempre passava Jagunço, Cangaceiro. Os revoltosos! Tinha os que apoiava eles e outros que não. Seu Leôncio era um que não apoiava e sempre tinha intriga de Jagunço atrás dele. Mas eles não conseguiram matar o seu Leôncio não. Ele morreu do coração. De morte natural.

Mas conta que uma certa feita dois Jagunços vieram pousar na casa de seu Jesuíno, que costumava apoiar esses cabra, que em troca não fazia nada com ele, nem nas terra dele. Já era do conhecimento deles que seu Leôncio possuía uns colares de ouro e que costumava enterrá-los dentro num pote pra ninguém achar, nenhum Jagunço, ninguém! Nem os familiares. E diziam também que ele “invultava”. Invultava que ninguém via...

E esses dois Jagunços rumaram pras banda da casa de seu Leôncio no cair da tarde, com a intenção de capturar seu Leôncio e fazer ele dizer onde estavam os colares de ouro, o Pote.

Conta que quando foram chegando, a mulher dele que tava na porta, recebeu uma cusparada de balas que passou raspando a criança que ela tinha o colo. E a porta já era “rendada de bala” de tanto Jagunço que já passou por lá com as mesmas intenções.

Seu Leôncio, na mesma da hora pegou uma capa preta de invultamento, se cobriu e invultô!

Sumiu que ninguém viu...

Conta uns que ele se escondia numa gruta lá perto da Pedra Branca, que tinha as paredes rosadas e cheio de uns rabiscos.

È! O cortejo de enterro, que me esqueci de dizer, era do seu Leôncio, que morreu do coração, enquanto plantava mandioca. Morreu com uma maniva na mão.

Não sei se o pessoal que tava carregando deixou o corpo arriar no meio do caminho, mas só sei que tem uma Aroeira velha no meio da estrada pro cemitério que nas noites, o povo costuma dizer que seu Leôncio aparece pra assombrar os passantes.

Será que foi lá que onde escondeu o Pote?

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Auto da Gamela

O Auto da Gamela, texto de Esechias Araújo Lima e Carlos Jehovah, com direção de Roberto de Abreu, firmou uma temporada em nossa cidade e revelou aspectos que considero relevantes, em se tratando das artes cênicas e seu espaço no contexto cultural de nossa região. Em primeiro, revelou que o público vai ao teatro. Mas para isso, é preciso investimento midiático para que as pessoas tomem conhecimento do espetáculo, observando que não basta a simples informação, tem que ter elementos visuais que passem uma centelha do que “vão ver”. Mas devemos considerar que o nosso público não tem um hábito frequente de ir em busca de notícias culturais. Essas é que têm que chegar até o público. Em segundo, é que um bom espetáculo garante o êxito de sustentar uma temporada, gera interesse com a boa execução, ressaltando que o grupo Finos Trapos é formado por profissionais (Daisy Andrade, Danielle Rosa, Polis Nunes, Roberto de Abreu e Yoshi Aguiar) dedicados que foram reconhecidos pelo mérito próprio de seus esforços. Em outras palavras, mídia não faz artistas nem bons espetáculos, estes mesmos é que se fazem.


Os Autos tiveram sua origem desde o sec. XII com a interpretação de textos que se fundamentavam em momentos da trajetória dos santos, profetas, da paixão de Cristo, sendo muitos deles usados na catequese dos “bárbaros” (das raças sem alma tão massacradas pelo interesse econômico camuflado incovenientemente de religião) e, não obstante, foram sem sombra de dúvida suporte importantíssimo para formação do que mais tarde seria conhecido como ópera, em finais do Sec. XVI início do sec. XVII.


A realização da peça, sob a direção de Roberto de Abreu, se nos mostrou com um domínio seguro da direção, no que não permitiu espaço ao desvio da atenção por algum cansaço. Ao contrário, nos prendeu pela variedade de composição de cenas, pela performance individual dos atores e pela forma como o diretor manteve uma dinâmica consistente a cada quadro. Percebemos claramente aspectos de diálogos que transcenderam ao palco e ao texto do Auto em si, não encerrando a obra em sua própria forma, mas permitindo alguns fluxos próprios de momentos breves de livre desenvolvimento dos personagens. Forma esta já conhecida, porém, nem sempre se consegue êxito simples e direto como neste trabalho. Os atores não se intitulam cantores, mas conseguiram nos passar muito bem os cantos com todos os requisitos para o espetáculo. As composições realizadas pela equipe são de fácil assimilação e se adequaram bem na unidade do espetáculo. Por outro lado nos mostraram que trata-se de um verdadeiro grupo que funciona como um organismo integrado. Seria um excelente exemplo de uma micro empresa cultural na qual todos estão no mesmo barco, verdadeiramente. Espero que Conquista tenha sido um bom porto para ancorar a nau desses nossos conterrâneos brilhantes.