sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Samba do malandro, em construção...












sou brasileiro
não uso chapéu de cowboy
e sem preconceito nem complicação
não uso pois isso me dói
mas gosto de um bang-bang
dos astros com toda certeza
só não levo pra minha mesa
Hamburger com bacon etc. tal

Perdão se sou brasileiro
dum jeito que ainda nem sei
não sei se malandro tem jeito
se o samba tem pausa no peito de alguém
perdoe os meus contratempos
se o surdo marca o meu passo quebrado
minha crença é a que parte do alto
meu copo de vinho não vou pôr ca fé misturado

se eu for mais um Zé mané
apenas ser um brasileiro
sonhando com a loteria
sem ganhar nada
sigo meu caminho a fio
pois terei o mar, a canção
e no coração a saudade do português

levando um sorriso na cara
bem tolo e aberto sem motivo algum
e serei feliz ao lembrar de você
sem consolo nenhum para toda essa dor
bem pobre, sem nada
mas rico de estrada e mais rico do meu amor


olha aqui meu amigo
se a caso não gostas e tens alguma objeção
que fale agora ou cale-se para sempre
e não faça caso, se caso incomode
o tom dessa minha opção
se vivo que nem passarinho
que sempre faz o que quer
esse meu jeito de ser
de ser brasileiro contente
mas, sinceramente
sou apenas freguês do viver
















(homenagem a Chico)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

encontro





preciso encontrar aquela sua cara boa
que limpa e lava os arredores
como os ares frescos após a chuva
com seu sorriso abrindo as nuvens
e colorindo o cinza delas
mergulhadas num azul intenso

preciso tomar uma
aos goles de olhares
em qualquer esquina do mundo
contar a minha vida
assentar na página da mesa, os vazios
encher repetidamente os copos e nossos espíritos loucos
dividir fragmentos vividos
e conspirar alegrias em redemoinho

e só preciso mais daquele abraço
quando penso:
agora todos os problemas estão resolvidos
e por instantes não desejar mais nada na vida







Revelada






não me desabe assim tanto!
espero recolher suavemente
objetos narradores estes
e descascar o tempo como uma cebola ressequida
com suas camadas novas
escondidas e suculentas
memória guardada
velada sob sete chaves

não cortes assim
me ardem os olhos, imediatamente
pois minhas narinas dilatam-se
e aspiro esse odor até a alma

rego a horta de meus amores
com terra nas mãos, 
nos dedos, unhas
e com suor na boca

cuido de minhas raízes, 
simplesmente, calado
elas vivem como tácitas flores na terra
sem ter lá tanto sentido
senão esse segredo silente
internamente 






sábado, 1 de novembro de 2014

Ares outros mesmos




estes ares já não são os mesmos
mas o que ou quem mudou afinal?
se não se pode tê-los mais na pele...
neste rosto quieto e estúpido
ou ele é que é sensato e não o sabemos
mesmo sendo nosso rosto

inútil a memória diante das mutações
diante de qualquer lembrança que suscite algum vazio
do tamanho destes ares
enchendo-os até não caber
até serem insuportáveis
para ver
sentir arrepios
ou ter a impressão de ser tocado pelo vento
como nas manhãs em que ia pro colégio
caminho frio

os ares são outros agora
como uma outra língua
nesta manhã de exílio
neste corpo sem fronteiras





quinta-feira, 16 de outubro de 2014

bilhete






Lá vem o bonde
com seus metros de ferro e bronze
estridente e forte
glissando comas de sem tons na escala dos trilhos

esperam-no vidas paralelas
como um amontoado de livros e histórias cruas
o velho espera o bonde
a mala, a camisa e o doce do menino

Lá vem vindo esse bonde
para o desespero
sem dar tempo nem se importar com quem vai entrar
bastará ocupar os acentos
os limites das cargas e  das gentes
e seus pesos, concretamente

Lá vem o bonde
para atropelar qualquer sonho
imponderável
na razão do horário das 13:45
atropelar, no exato instante em que ele parar,
o doce, as cores das roupas e suas histórias sujas
em silêncio
e para qualquer desejo a bordo
parte imediatamente
e convence de que é melhor não pensar nisso
pois o preço será igual para qualquer nome










domingo, 28 de setembro de 2014

Temblores





será assim
quando a grande conspiração esperada
imaginada em suas drásticas consequências, chegar enfim
no momento que romper a madrugada
e só haver passarinhos e folhas dançando
e um silêncio cotidiano rompendo-se pouco a pouco
no acordar a cidade
será apenas assim

a ideologia se tornará ser humano
e o palácio tornar-se-á casa e cozinha
a voz recitará os versos ensaiados
textos sem improviso
de ensaístas, historiadores, psicólogos
e de jogadores experientes

será como a pia suja na manhã seguinte
ecoando os encontros e a solidão
com resto de delícias e desenhos impensados
a um passo da coragem para o trabalho da recomposição da ordem
e a inconsciência de um Pilátos de bucha e sabão

melhor querer ter pés de areia fina
para cruzar o rio sem se esperar na outra margem
liquidar os caminhos traçados para algum ideal
desejar ter mãos que sonham pensando serem nuvens
e serem apenas gestos, estarem acima das coisas
pra resplandecerem em outro rosto
serem vistas de longe

desejar não saber como será
se rosto em sombras ou mãos plúmbeas
sujas ou ensaboadas
se apontando pássaros ou catando folhas para guardar
nos cadernos entre folhas vazias

apenas pensar leve
e esquecer todas as possibilidades de como será no instante que for
assim, fora dos textos e da memória
no equívoco, na surpresa
no adjetivo mais que no verbo

num imponderável esforço de ser










terça-feira, 9 de setembro de 2014

neblina





Imensa nuvem cinza
Estendia-se por todo céu
Em neblina

À rua, descoberto, ouvia a canção francesa num jeito blues
Estranhava tudo e cada justa coisa
Obviamente como deve ser cada coisa
Imperiosa e indiferente

funcionalidades tantas
em tantas coisas
e sempre a falta essencial
de uma estória que as conte
e as inclua como cenografia
sem deixar de lado a menor das coisas

mas ainda ali
no inverso da vontade
por todos cantos vasculhados naquela noite
competindo com as infindas gotas sem sal

olhar apertado
o canto se extinguindo  um pouco para fora daquele lugar

Não era a versão que preferia
Mas era a canção
Não é assim que se deve viver
Mas é assim a vida...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Pluma






é apenas humano
ajuntamento...

é preciso, contudo
não confrontar extremos
sala a dentro

de porta aberta, porém,
a permanência, generosa e tão maior,
acerca-se nos esquivos

em cada um
a permissão ainda é um limite
às vezes do invasor
ora do invadido
ou d'um demasiado observador

íntimo e desconhecido
rendido humano entre tu e outro
seu corpo sabe
seu pensamento deflora

ainda assim, algum tipo de dor
te ensina o alívio de viver
negar ou calar-se
e atravessar
inevitavelmente...







terça-feira, 19 de agosto de 2014

Corpo e alma






não há silêncio no silêncio
se ouvimos seus passos de pausa em tempo andante
se o tempo vibra um sonho mudo
enquanto se espera a canção
para invadir carinhosa os ouvidos cansados de tantas palavras
essas frestas por onde tentam escapar em fuga
as coisas escondidas
tão certas como o olhar de um cão
que agora permanece quieto
bicho estranho
com seus instintos presos
esperando na curva de um dia
o uivo da palavra presa em seus caninos
a calma do que é vivo
e um sol quente na manhã fria











segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Lira





canto a canção do amor veloz
como tartaruga caminhando rumo ao abismo
sem sabê-lo
e nosso olhar, dando asas ao medo,
protegido deste profundo com escudo e armadura
e dentro, no casco de Apollo
delira em segredo, sentimento





quarta-feira, 16 de julho de 2014

Meio termo
















duro o olhar que não dura
olhos que não se abrem
que separam o dentro do fora

dura marcha dos passos
do caminho certo
da força maior

flor que se evapora
vontade que se condena
inteira metade

erro que invade
meio de se chegar ao fim
instante que perdura em mim





segunda-feira, 7 de julho de 2014

Primeiro dia





era apenas ver o nascer do sol
abrir dos olhos
atravessar

todos os dias claros
agradecidos
por um sorriso

presenteando
coisas infindas e breves
sem motivos

brindando a vida
uma festa de seres comuns
contentes com o pouco

apenas a permanência
dividida
nada mais





domingo, 29 de junho de 2014

sem mais perguntas...





te escrevo pra mim
ensinamentos tortos
para servirem de mapas
pra não temer o longe do desalinho

te guardo incertezas em garrafas
e escritos roucos da câmara do meu pensamento
sonhando encontrar as pedras de tua ilha
novo mundo meu

te busco com a sede de papel caindo n'água
no inevitável extremo da falta
o caminho de volta
que me repõe no ninho da vida
sem mais questões
porque elas se encontrarão mais que satisfeitas
quietas e cúmplices em silêncio


sábado, 14 de junho de 2014

Inaudito




a carga e o carregador
a posse e o possível
o tocador e o pedreiro
a parede branca, o quadro
o esquadro do sensível no olhar do morador

um sabor que passa
um poder que pode
a roupagem do corpo alienante
os riscos e as linhas
tramas de luvas de vinho
o cálice
a cena e a ausência do ser
a gaiola de ouro
que não sustenta o desejo
vergado em metal
moeda do silêncio

o vendaval e as roupas secas
o voo dos pés
o canto da cantiga
o impossível
o sonho
a casa vazia
o peso da pena
alma discreta
silente mar



sexta-feira, 13 de junho de 2014

Arreios



o dia se encerra mais uma vez
nos tempos maduros
num caos que teme se reconhecer

novo ciclo, mais uma volta
carrossel com cavalinhos do apocalipse

um dia solto seus arreios
como os devaneios intimamente nos soltam pela madrugada

e vou querer ouvir seus passos
sem contá-los
sem ritmo
no irreversível 

sábado, 7 de junho de 2014

Armadilha da memória





morra meu pensamento e deixa meu corpo viver
me liberta desse mundo incorpóreo
me solta
me ensina o esquecimento e a ilegibilidade da vida como matéria fundamental
deixa-me ir voando sem campo de pouso
envolto no que conduzir
correnteza de sentimento

não me ponha longe de onde vou
não me exile do momento nem do lugar
nem me diga das coisas
já não me traduzem estas línguas que aprendi

te digo a mim
me devolve
pra eu saber chegar







segunda-feira, 2 de junho de 2014

Vantagem




a vantagem...
extremamente importante
só não pode ser mais urgente que o desejo
mas é valiosa demais por seu tempo breve

no tempo de uma dança
o caminhar é fuga desse pátio
contratempo sem volta
passos que ensinam um caminho deserto
por fora das janelas
por pisos toscos e frios
por onde se teme caminhar com os pés descalços
para não dar a face à essa verdade
e permanecer esse abismo entre os pés e o chão

mas será sempre irreversível a vantagem
que nos opõe aos outros
que nos lança como dados marcados
e não aviões de papel
sem motores nem guias

o desejo é como a carne
sobrevive e espera em seu metabolismo
sentir, é tudo o que tem
é todo o seu bem perecível
não mira o dia seguinte
é apenas em volta, perto
é o que na vida deveria conduzir
em algum momento
mas contra a vantagem
não há argumentos...







quinta-feira, 15 de maio de 2014

Potes de barro





Tenho medo da palavra
Quando sei que não está comigo
Quando sei que não é ela
Quando é oca feito potes de barro

Medo também das que pensam e moldam sentidos
Em caminho seguro, conhecido

Prefiro o descuido
Da que sai errante e sem endereço
Andando em círculos
Cavando uma boca
Procurando uma voz
Ou escondendo secretamente as causas

A que atropela a boa educação
E madorna a escrita com única vontade
De aliviar do cerco do que não tem língua

Tanto prefiro as que tem sons
Para soarem como orquestra
Indecifráveis...

Ainda mais as que transbordam, até secar a fonte
Para sentir nova sede
E chover de novo a vida






terça-feira, 13 de maio de 2014

ich und dich





não! não acredito nesse ser
que o chamam por um nome
e que finge uma postura com costumes imutáveis
que já não sabem mudar mais
se aproveita da impossibilidade de saberem dele
bem o bastante para o desprezarem
saberem intimamente, tanto quanto seu silêncio  sabe minimamente suas partes
Saberem que este ser só sabe ocupar o olhar dos outros
ou da idéia que fazem dele
sim, que faz dele um ele






quinta-feira, 1 de maio de 2014

Lugar





escava dentro
seus desenhos tortos
inquestionáveis e medidos
ao fundo desse corpo sólido e insensato

passos firmes sobre mapas de labirinto
encruzilhando as certezas do centro e da fuga

tremula esse pequeno espelho d'água
da sede de tantas jornadas que cruzaram o meio dia
à margem de todas essas ruas
longe de qualquer traço ou risco desses planos

pequeno lugar no mundo
desorientado e incerto
do ainda
e do sempre






terça-feira, 29 de abril de 2014

Mecânica



se ainda for e for o caminho, o grande mundo
sem idade nem distância
capaz de florir o verbo existir
de parar os operários incansáveis da grande máquina mundi
como se fora o momento de intervalo
no qual todos interrompem as forças de trabalho
para se deleitar com suas marmitas frias

se ainda houver tempo
tempo físico, mecânico
entre estrelas e alvorada
ou sob o sol e as marés
que seja como o sangue e os rios
desviando os caminhos

instante do que permite
uma razão despida e simples
o planar do ser no intra-real
nos mistérios expostos na matéria
e suas formas feitas e desfeitas
faz ver que pode ser longe demais o aqui
e toda sua infinidade

até o momento que começarem os ruídos
dos garfos e colheres no fundo das marmitas
retorno estridente e áspero de ferro e aço
perfurando o oposto
a substância das gentes em armaduras
moldada em fria clausura
para os corações quentes
dos seres obedientes




domingo, 13 de abril de 2014

Diálogos






minha mão pulsa os dez tempos de meus dedos
peregrinos e cegos amantes
pobres eles se me deram luvas brancas pra tocar sua pele
para não haver diálogos profundos
como a impossibilidade de tocar uma escultura mais que com os olhos
corpo que não se separa do estado instituído pelo pensamento
julgando continuamente os desejos lentos
a serem obedientes e nulos
e por que não corromper estes crivos
com a ponte que nega a roupa e tudo que veste
que nega as cores e as texturas
os fios e a matéria destes embrulhos
apenas com o encontro das formas
em um único eixo que nos equilibre
e nos livre dessas penas
num encontro, apenas
de nossos pesos no silêncio de um abraço...

domingo, 30 de março de 2014

curador






volto ao meu banco
àquela paisagem que muda sempre
e zomba de minha memória
me confundindo as cores
as tantas formas que em vão penso serem as mesmas
e são as mesmas
ora mais, ora menos
as que nasceram e as que não se extinguiram
elas também mudam em si mesmas
apesar de minha insistência
que a quer sempre esse fim de mundo aberto
como num quadro amado

volto sem saber o que é voltar ali
a essa paisagem que expulsa
a qualquer que deseje o sempre
que não saiba permitir a liberdade da vida
ou sua condição fundamental

ainda assim, vir para encontrar algo
da curadoria dos quadros guardados
para vê-los no instante dum piscar
na fresta do fechar de olhos














quarta-feira, 19 de março de 2014

Mutações




tudo tem que continuar...
agora que já é movimento
que não se pode soltar

tão incorpóreo mas real
invadindo o presente
adentrando a intimidade como novo familiar da casa

continuará em sua queda
inclinação que dança a música eterna
como os ciclos da terra

não atende a gravidade dos momentos
leveza que rompe cada partícula dos seres e das coisas
libertando-as de suas formas
e dos corpos que retêm

o além das mãos seguras
das insistências amadas e pequeninas
ante a essa imensidade instante

tudo continuará, certamente
como incerteza sólida
como as nuvens que continuam mudando
sem precisar gerar nomes

tudo, como antes
e como agora






sábado, 15 de março de 2014

Cantata





o coral finda a sinfonia
aquieta-se como uma nação vencida
que não sustenta o olhar entre si
último movimento, vacuidade do fim
o a partir, agora, sem valor algum

é quando tudo torna-se mais leve
quando a cama desliza para o meio da rua
os sapatos dançam na pia um cinema novo
e garfos e livros juntos num trabalho de outono

a nova lei paira nos ares
com cheiro de peixes azulados
o aroma das carnes aflorando
canto dos cutelos na pedra rósea do altar
entoam uma revolução musical

o momento toma emprestado o corpo
e lhe repõe no engenho do mundo de estivadores mudos
deleitando-se com o cigarro
lenta, a fumaça desenha um corpo de mulher
se desfazendo na penumbra e na brisa...

canto, o hino dessa nova pátria
sob o mesmo céu, mesma terra
mesmo rio da aldeia
sempre ali, como os dias
sempre como espectador cego
das fábulas vivas...

ou somente rio
é o que no fundo deve ser
apesar de todos...



sábado, 8 de março de 2014

Entreaberta





Aberto. Somente...
Esquecida porta aberta
Perpassado inteiro
A mente e a mesa aberta

Objetos pousados, soltos
Hierarquia do acaso pouco
Lençol em branco

Uma noite gesta um dia nascente
A solução do mundo
Cor sépia e quente nas mãos à boca

A vida se declara desmedida
Em frente, aberta...

O que importa
O que é

Mera imaginação de sono e rendição...






terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Banquete n. 2






nào há mais o que dizer das coisas
não se moverão ao seu sentido chamado
mesmo que sejam ditos seus nomes

serão as mesmas coisas indialogáveis
além de nossos delírios de voz e vento

boa conversa entre os dentes e a comida
uma dúzia de dedos despencam pelas mãos
os cabelos arvorando um sombreado abrigo
para os incontáveis cachos da memória
teu prato principal, mudo de sabores impronunciáveis
teu sentimento pleno, teu cálice rubro
da videira cor de sua estação

toma-o em silêncio







domingo, 23 de fevereiro de 2014

Das coisas






preciso crer no que guardo
mesmo que a permanente força da clausura
insista em tempos maiores
como se fosse possível dar-lhe uma medida
fragilizar sua existência
com a solidez que lhe põe em ruínas
lhe atrita com a brisa e a tempestade
até ser o que era antes do despertar do mundo
até transformar-se em si mesmo



sábado, 15 de fevereiro de 2014

confronto








mundo amado...
amigo generoso a desdobrar sua riqueza
acolhe as mãos vazias e quentes
mãos que pertencem à sua primavera
que se guardam cúmplices para o cuidado que carece o mundo
se completam presentes e adornam a festa da vida

mundo que espera os visitantes raros
que passam pela invenção de sua porta

os muitos lugares que transportam para sua eternidade
parecem ficar mais felizes
quando esses te habitam, imersos em sua realidade
sua matéria, simplesmente...
no além e no instante
no possível
no encanto imortal do que existe em seu tempo
e no tempo desconhecido
mas que basta para a existência
para o real
e para o esquecimento






quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

a mãe d'água




quando pequeno quase me levou o rio
sua água de barro e meu olhar profundo
brincando com a luz turva do céu
e não sabia que fantasia fora aquela
me transpondo ao entre-mundos
plasmando aqueles pouco segundos frios
me desnascendo dos humanos
no seio da mãe d'água

pouco me lembro
mas não temi aquele novo estado
contemplando o desconhecido
como tocaria o rosto de uma fera
para sentir o seu pelo e sua forma bela

assim o destino me regressou
tragado pelos pés com o mundo invertido
estranho para o meu estado líquido
ridiculamente posto a favor da gravidade
renascido súbito pelas mãos fortes de meu pai
e o espanto dos limites do que pode um ser
quando brinca com areia a beira do abismo








domingo, 9 de fevereiro de 2014

Leveza da pele



no pouco uma mão desenha o vento
com dedos longos, inseguros

no imenso céu, plana o dia
acariciando teu ventre vazio
onde vaga o pensamento esquivo
sem o pousar leve da memória

e pode decidir por qualquer caminho
sem que o acaso afronte
sem que um canto desperte a terra
sem o reencontro dos pesos sensíveis
que ensaiam a inexistência
desesperadamente nus
silentes...










quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

As 24 horas de uma palavra







só há mesmo o que é concreto
e mesmo assim se desmorora lentamente
no limite do tempo que move o mundo
precipitando uma poeira sólida ao chão
na iminência de desenhos e rastros de uma inquietude
displicente e vaga em seu combate

melhor reduzir-se ao perto
e se entregar ao que sustenta
ter os pesos igualmente medidos
brincar com o que tem e rir da falta, desdenhar dela
ter a consciência de um rei que não passa de mais um qualquer
e sabe, ridiculamente, ao ver o reino inventado e frágil
nos requintes dos bordados

ainda melhor se se entregar à cama
ao amor do sono que sabe o que é necessário
quando persiste a invenção dos sonhos
e acontece o que precisa um corpo
pesar em um outro tempo
no suave e terno lençol
como a irrealidade de nuvens brancas

é preciso abrir os relógios
e ver que o tempo não existe
ver o engenho da vida e seus senhores,
fragmentar as coisas
os grãos da ampulheta inquietos revirando-se
até que sejam congelados por uma existência
e usados como pedras, em um whisky
boiando e reverberando sons dispersos...
e que não nos façam perceber que passou mais um dia








quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ma Vlast







me dizes, enquanto caminho por seu rosto
enquanto bebo em sua boca cada palavra

te ouço, enquanto te habito
sem saber em que língua tua forma me fala

me perco, nesse mundo inteiro
em cada ponto que se inquieta o olhar meu

volto, e a compreensão me cala
me exila ensurdecido

e saio a cantar a minha terra
a minha falta
o meu lugar

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Lunas





me roubam a  lua cheia
impiedosamente, de meu peito
sem devolvê-la ao céu

apagam com cortinas argênteas
o rosto que contempla a noite
rochedo triste que tenta desmoronar-se no vale
até o lago

pele de mica e olhos de cristal
da gruta onde nunca seca a fonte
do mundo interno
que liga as águas como veias da terra
por onde flui o sangue errante
que atravessa os tempos
com a sede do corpo

essa lua que se esconde
como olhos fechados
um calor frio
o peso que mergulha fundo
embaralhando o espelho das águas
a inconstância estremecendo
até que retornes, plena
como o sol e o sorriso
até que se possa ver de novo
a iluminada





sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

travessia




a vida se nos assenhora
inteira em todas partes nuas
brandamente, generosa e bela
torna errantes nas travessias do presente
no tempo mínimo e na eternidade
no além que nos habita como um horizonte
calmo e imenso
esse deserto, como um lago e suas ondas lentas
grãos vaporosos ao vento
vaga como nessa mesa os pensamentos
em caravana de versos naufragados
no extremo da gota e do grão
da areia e da neve
do impossível que nos atreve
que nos tece um bolso
que nos cabe as mãos
que nos guarda dentro
o tatear de lírios
das mínimas parcelas
o nosso moinho
o nosso pão