sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mãos finas



O dia se me desdobra
Em cada tom do céu, irrepetível, cinza, azul
Também em cada lugar que mudo e sinto a umidade ficar diferente
Ou sombra ou sob as luzes pálidas
Os clarões de telas e olhos apagados, me desdobram
A mansidão do anoitecer me eleva em íntimas provas tão desconhecidas
Que nenhuma outra nau é mais segura que a que me devaneia nos mares do sono
O avançar da hora não sabe me lembrar que a terra dança sua vida
Mas cada pequena parte da natureza me silencia discursando um mundo paralelo
E vejo tudo tão fora de lugar
Tão fora quanto meu pensamento
Me exilando dum real das coisas
Até que num hiato desse exílio eu simplesmente reconheça
E me confesse, tomar muito cuidado com os dias
Pois não sabem o que são eles os historiadores
Nem os filósofos sabem mais que os estivadores
Nem quanta inveja deles devem sentir
Por eles simplesmente carregarem sacos de um lugar a outro
Pesos tão repetidos
Mas ao final estão leves e risonhos
Livres de qualquer peso, até a próxima carga
Levitando qualquer dúvida
Piedosos com os fracos com suas cargas insuportáveis
Com suas mãos finas
E suas dores divinas



Tris







Por um tris...Por um tris de um momento
Por um tris de uma palavra, ou qualquer circunstância que nos acompanha, imperceptível
Essa coisa nos permanece, como o detalhe que muda o todo
E se tudo mudar, o detalhe é o que ficará
Intacto como um pequeno objeto. Mínimo e essencial
Para não mudar nunca. Pra guardar nessa pequenina parte do todo que já não há
Por toda a vida, aquele instante tris, por muitos momentos que nem sequer lembramos que existe
Escondido e vivo, capaz de mudar as cores das cores e o som dos sons
Mudar dentro e fora
Capaz de nos fazer voltar
Depois de tudo, fazer nos reconhecer
Porque tanto nada nos faz parte verdadeiramente
Porque muito pouco vale a pena guardar


terça-feira, 16 de abril de 2013

Mancha







Minha alma
Lençol que sangra o vinho de meu tempo
Aquieta-se como espada na bainha

Ignoro qualquer questionamento sobre o injustificável
Sobre o que tenho feito
Ou desfeito no caminho de minha vocação

Não exijo um lugar melhor para o almoço
Com tantos dissabores já  experimentados
Mas não deixo empobrecer meu gosto
Escondo um requinte de delícias para poucos e raros momentos...
E sei que meu olhar espreita a beleza
Que minhas mãos não esquecem a linguagem dos que se calam

Mesmo assim, quietos meus sentidos
Guardam flores sob a neve
Admiram as manchas do acaso humano
Do descuido do mundo
Que apenas vive
Sob o sol e o luar
Nas janelas de luz nos prédios
Nos becos escuros
Nas paredes de minha alma

sábado, 13 de abril de 2013

Zumbido




Meu pequeno caderno
Que se abre como uma porta
Pra um canto meu
Onde minimamente desenho meus sentidos
Onde procuro uma voz pra cada palavra
Como flores que parecem ser o canto dos arbustos

Hoje, um lamento entoa um canto em cores quentes
E são apenas meus garranchos toscos florindo
Minha fragilidade vibrando um zumbido de abelha

E sei que tão pouco é preciso
No meio de tudo
Quase nada é preciso
Apenas o que falta
Não uma sinfonia
Basta a canção
Um sorriso...