sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Viramundo




porque nos lavam a boca
nos enquadram repetidamente
nas mesas sem saída
e medem as intensidades
da alegria
do prazer, mais que sabido
o efeito é todo o sentimento
o jogo que resume essa vida
que já tem a resposta
o projeto e o silêncio do método e seus motivos
o todo que se move
a complexa maquiagem que nos brinda aos olhos
que nos assegura
a complexa estrutura que se mantém
sobre esses pés de barro
nessas maçãs ocas
nestes cenários que enchem o mundo
que ocupam a intimidade
que rimam nossos pensamentos
que afinam nossos ouvidos

porque o "tem que ser" é maior
como a onda do mar contra seus braços
e sabemos disso quando ao estranharmos o corpo
frente ao espelho, antes do banho
quando ignoramos aquela imagem
em todos seus volumes, com desconfiança
quando percebemos ainda o cair da água na pele
até o instante que o banho se torna um banho,
normalmente









quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

quarta dimensão



Espero a calma
mesma da fumaça lenta do cigarro
bailando na penumbra deste quarto
ao fundo, apenas silhuetas de objetos esquecidos
a cor sépia de um tempo eterno
que desdenha das horas

permito a música
em cachos de melodias nuas
dando voltas
tocando paisagens risonhas
profundas e vagabundas errantes
com ritmos ancestrais na flor de meu sangue

permito o vinho
que derrama seu gosto
e exala nesse espaço plano
a nuvem que me cobre do sol que é o mundo lá fora
um quarto estado, uma vida dentro da vida
enchendo a taça do espírito e do corpo

permito esse copo pequeno
de perfumado café
pra manter acordados
os sentidos simples que necessito
pra beber a sua força
sua cumplicidade com as mentes inquietas
e com os assuntos perdidos

permito esse encontro
que mistura essas cores
que mancha, desenha, inesperadamente
que torna o existente comum
no incomum de cada instante
que torna imenso os mínimos
do bem da vida







sábado, 30 de novembro de 2013

o inventor





a vida nos leva
como a aquela gente leva aquele menino e os cães...
o único domínio é o instante
não importam as horas nem os dias à frente ou que passaram
a incerteza é todo esse céu sobre eles

não é pouca a vida
e já é muito para os sentidos
o gosto bom ou até mesmo os sabores ruins

se o esquecem, o menino brinca com coisas
inventa estórias, até o chamarem de volta
tantas, para esse protagonista miserável
rico em travessias

noite tarde, seguem juntos
sua mãe,  que dá banho e comida
seu pai, que trabalha com seus braços fortes
estes braços que nunca o abraçaram

Já é muito o que vê pela estrada
e bem pouco o que se pode esperar desse menino
e de seus braços

era apenas mais um dia
e hoje, tantos sem essa urgência de vida
sem essa sua falta ...









domingo, 24 de novembro de 2013

Rabisco






nos cantos, nas penumbras
onde não visitam mais nossos olhares
habitam pequenas planuras
e um leve esquecimento de pouso de poeira
onde deslizamos com o dedo
algo sobre o pó de nossos pensamentos
traços cuidadosamente movidos
como se diz um segredo
traços que se desenham repensantes
incompletos como as confissões
que guardam as senhas de verdades
de mal traçados beijos
de momentos que aprisionamos
em garrafas de vinho, vazias
o enigma das flores entre as páginas dum livro
e que cuidamos para não saírem das páginas que as guardam
achatadas como a imperfeição dos desejos
entre mundos inesperados
como o pouco que se vive
do instante que nos vive
e que não é como o vidro, mas sim essa poeira
que nunca se mistura com o vidro, nem a pedra ou a madeira velha
enquanto nossas roupas espreitam
as pontas de nossos dedos sujos






segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pouso





é certo aquele homem
longe das gentes e de seus gestos
escapa dos olhares, das roupas
e de hábitos irreversíveis
é certo

em sua terra e mais nada
em seu campo
com sua estação de pensamentos
e suas campinas

é certo aquele homem
aquela estrada
e seu caminho de vida
seu suor em sua testa
seu trabalho que se refaz
de tempos em tempos

é certa sua incerteza
seu sertão que resiste
seu olhar na serra
seu sangue e sua ode

é bom o gosto da comida
sua quietude atenta
a hora lenta e o breu no qual sucumbe
até a última língua de fogo

é certo aquele errante
e o seu nada



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

incabível





tanta cor não cabe no olhar
seleto e confuso

o belo não nos cabe por inteiro
espaira como euforia
inúmeros sentidos
e nos dissolve...
como sal lançado ao rio

não nos cabe a amplidão
das pequeninas flores
que cabem em sua mão

parece não caber
o tanto que nos dá a vida
o clarão de um sorriso quieto
o bem querer contido

parece não caber essa cantiga
que dança dentro de nós
o gosto breve
o sabor de poucas palavras
a impermanência do dia
a urgência sincera que nos sabe









sábado, 2 de novembro de 2013

Tangedores





não soube contar as gotas da neblina da madrugada
que me acendiam pontos pequeninos, gélidos
como não sei contar a chuva de estrelas na noite
e a chuva dos dias

não se sabe o tempo que se evapora
esse cálculo impreciso
que mede os corpos quando se tocam
e se banham contentos
revelam e revoltam-se
rebuscam e escrevem um poema vivo
que vibra em suas mãos tangedouras
em suas veias em fuga do coração
na voz errante que soa lá fora
que nos leva...
busca-nos dum tempo que não vivemos
nos queima e lançam inúmeras centelhas no céu
enquanto os rebanhos caminham sob o luar
libertos de nossas moradas
e as guitarras cravam cristais de luz
nas estradas que nunca se findarão
nos campos que nos protegem
no silvo suave dos capins
que nos arrodeiam
incontáveis
e cúmplices
de nossas vidas cintilantes



















sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Ainda


Quando pede um café
Quando pede a conta
Quando reza o dia
Sei que sabe, mas não diz

Segundo quadrimestre
Primeiro andar
Segue na avenida, na esquina, na passarela
No item quarto, na página dezessete
Não diz também

Tanto é preciso
O peso da carne e das batatas
O kilo dessa procura
Pensa nos pratos do vendedor

O olhar do dono
O lucro e o alívio
As bocas e os risos
Não dizem esse silêncio insaciável

Mas apesar de tudo, ainda canta
No samba de mesa
Nas águas que fluem
Na ventania
No gosto da pinga
Do vinho e da canção

O silêncio naufraga nesse mar morto
Nesse sal intenso, transpira
Nesse olhar de dentro
Ainda...



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Longitudes

Longe. Longe...
Quem sabe o que é ser longe?
Se pensamos como centro
Como em volta e como um eu
Onde quer que nos ponhamos
Não importa
Se esse mapa vira
Se rasga e perde pedaços
Outonal

O que importa é com o que se mede
O quanto cada pode ser
O quanto pode carregar
Tudo que se deve levar, quando se muda
Coisas inúteis e muito além das coisas
E o que não te pertence mas te ocupa vastamente
Te expande
Esse canto seu, perto, que se faz em longitudes
Desconhecido, belo e seu


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

flamboyant




meu flamboyant sereno
quantas inúmeras cimitarras estourando sementes...
e quantas batalhas travaria
à sua sombra, para dar inveja a gregos

cimitarras como vírgulas
para respirar entre os golpes da vida
a tocar as mãos desprotegidas
com o intenso da realidade

minha guerra, meu eterno conflito
e minha árvore, que não sabe que creci,
com suas vírgulas esperando meu punho
árvore minha que apaga meu nome
em seu tronco

te acaricio nessa ventania
nesse tempo que passa
não te soltam minhas raízes
desde que te conheci














terça-feira, 22 de outubro de 2013

Ao poetinha



Chegar desapercebido...
Sem chapéu
Terno e despido
Das tramas do requinte
Pra ver a rosa de perto
Pra sentir o silêncio do seu nome
Como num verso de Vinicius
Ainda no primeiro papel

Deixar que a tarde rubre suas nuvens
Com suspiro lento e breve
Antes que o cinza do algodão da saudade
Se misture às cores no céu

Antes de perder o doce instante
Do eterno no soneto
Posto que ainda é dia
Antes da noite e da valsa pequenina
Onde o olhar se perde do tom
Da palavra e do canto do amor poente







Política de uma vida




Pra que serve a vida, senão para ela mesma?










segunda-feira, 14 de outubro de 2013

porta nº618




à frente, uma porta...
indiferente como qualquer porta
de um prédio qualquer e de qualquer cidade

ali, à frente, com um silêncio inoperante
e a potência extrema dessa nulidade

de pernas cruzadas, mirando-a com olhar sereno
mas que insiste no princípio dessa força
que se projeta desse vazio
querendo criar-me um mundo novo
a poucos passos de mim e meu cigarro

A dizer-me que o outro lado pode ser um outro país
uma outra casa, uma outra cidade
onde a vida sempre existiu
repleta de sua lógica circunstante

a convidar-me ao fundo dessa travessia
aportando meu corpo
e a senha de minhas sete chaves
enquanto permaneço sentado
numa contemplação de quem ouve uma música
no impasse entre a marcha e o ad libitum
a inquietação que tenta sussurrar-me uma campina
enquanto não sei se é noite ou dia
um lado e outro do meu rosto
o possível  é o que me toca
mesmo cumprindo esta imobilidade
neste breve momento...
e são tão poucos os poucos passos









domingo, 29 de setembro de 2013

Do incerto




tanto...
o incabível...
e a força que acolhe
tão extremo é o centro e tão perto esse horizonte
sem solução... (é a fórmula que desenha os lábios)

sábado, 28 de setembro de 2013

Sentido




Não terá valido a queda, nem a dor, nem a vida
Ou qualquer alegria
Se eu for o mesmo em pensamento, sempre
Nem terá valido meu ser
Se eu não for o mesmo sentimento








segunda-feira, 23 de setembro de 2013

à Ramos Rosa






Inevitável...
Tudo que é para sempre
E o que sempre se finda, eternamente...
A vontade de apalpar as nuvens
De parar um pouco o pôr-do-sol, róseo e quente
Como ficar na água morna do rio um pouco mais
Antes de tremer com as estrelas
Ou ranger com os grilos em seus cristais de sons
Inevitável é dissolver-se na terra
Como a estação das águas
Inevitável o esmaecer das flores no campo
A estiagem
E o fechar das pétalas dos botões dos olhos
No inevitável sono do poeta...






quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Pano caiu







Se o pano caiu
Que importa?
Se já sabia do teu corpo
Não importariam as tantas roupas
As tantas modas a encobrir a sua pele
A te livrar de mim, do mar
da liberdade dos ventos do planalto
Da terra, do sol
Se o pano caiu

Se mesmo assim tu és tão vestida
Tão escondida a declarar a nossa paz
Nossa união
De poder ficarmos juntos
Mas, que vale assim tão nulos?
É o mais longe onde cada um pôde chegar
O mais distante entre o verbo e o pensamento
Entre a concha e a torre
O desejo e o lugar
Um imenso vazio
Se o pano caiu





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Abraço





Um dia não é como o outro
Uma manhã  que já é tarde
Ouço seus passos e seu coração tristes

Te puseram facas em seus dedos
E não podes acariciar os seus
Pois cada gota sua abraça tanto aos dilacerados

Beijo suas mãos, lentamente
Abraça-me com força
Até o fim desse dia




segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Dia





Tudo dará certo
Quando vejo o clarão do dia
Perto, como um amigo que não vejo
Mas que sei de sua companhia

Darão certo as loucas investidas
Que não sabem os limites dos caminhos
Que esses passos tão descalços encontram rumo
E não sabem mais parar

E é mais certo o que não cabe em tinta
E sinto assentado e mudo sobre o corpo meu
A carne e o escudo
O que se lança e o que me cai
A água e o vinho amado aos teus pés

E sempre será mais 
E ainda além do que se possa conhecer
Na vida
No amor
E num só dia







sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Um menino carregador






Nossas mãos não carregam bombas
Para as olharmos e imaginarmos serem zeppelins
Como peixes flutuando no mar azul
Nadando sem rumo e sem causa

Nossa casa nos conforta
E suas paredes não são trêmulas
Nem se rompem sobre nossos corpos nus
Para vermos o lado de fora

Nosso dia se divide em partes boas
Como dividimos o pão que não nos falta
Nem misturamos o sol com a noite
Nem o sonho com o pensamento

Nossa vida é leve e boa
Mas não tão leve quanto os anjos
E suas penas inúmeras
fazendo brisa no rosto do menino

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pessoa



Te vejo
Tua sombra
Pessoa que caminha
Teus passos em fuga de um destino  dado
A sorte com rédeas
E tu, errante

Te vejo só
Entre as gentes
E tu dirias a todos
A cada um
Como dizes a ti e às pedras
Com a voz  deles, perdida

Te vejo sumindo
Na paisagem que te ensina a viver
Incansavelmente...
A misturar-te com as sombras
A forma tua
Lá, distante

Te vejo agora
Quando não mais estás
Agora que já entraste no mundo
Em cada parte que vejo
E temo ser tu, meu olhar
Meu desejo
E mais ainda,
Seres apenas eu



foto de Adolfo Urrutia Díaz

domingo, 8 de setembro de 2013

Janela Azul








Essa janela é pequena
E quer ser a janela do mundo
Essa janela é azul
Mas não dá vista pro céu, nem pro mar
Janela incerta e duvidosa...
Não define a paisagem
Não posso me sentar nela, nem dar-me aos cotovelos
E ter meu olhar aberto, mais que ela
Nem entra o vento com o ar de fora
A moça não espia
O menino não te salta através
Não se ouve o "Ô de casa"
Nem passa água do balde, para o seresteiro
Janela do mundo
Dos espiões
Da inconstância tétrica
O quadrado, redondamente enganado
Janela dos pegadores de ratos
Gatunos, dedo duros
Essa janela que cuspo e como
De Janeiro à janela

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Meio da noite




O caos me põe mais acordado
E tudo é mais claro no meio da noite
Claro demais e inquisidor
Desconcertante
Direto como água que cai
Sendo esse todo o movimento
Entre a incerteza e a rejeição da água

O silenciar-se é um voo de incontáveis planuras
Com necessária destreza
Gritos, e não canções
Canções que voam longe demais
Demasiadamente dentro desse abismo humano
Que olha a estante, magna e decadente
De muitos pilares envelhecidos e rotos
Que não me confortam como a cama
Vasto mundo da cama
Sábia e professora
Sem métodos
Sem regras, mas com alguns poucos pensamentos
Até que venha a manhã
E me ponha um compromisso
Já que tenho mais o que fazer...


sábado, 31 de agosto de 2013

Partido Alto (samba enredo)





Rio de você
Que não se molha nessa idéia
Que não está de braços abertos
Que tá doente do pé
Que samba seus conflitos
E chora na roda musical
Que não notas
Não violas os laços do Bomfim
Seu riso de muletas
Seu peso e suas asas
Deu branco na razão
No fole furado do coração
Te rio, Rio seu, rio de você
Rio de todos
Rio meu
Olha o Boi da Cara Preta
No carnaval de desalinhos
Num enredo de Arlequim
Dó sem penas, travesseiro
Sonhos, linhos
Teus queridos, suas mãos
Mamulengos os teus pés
Entre a terra e a areia
Descalços e finos
Pela chuva
Seus caminhos limbos
Seu mar e seu sertão




domingo, 25 de agosto de 2013

O Lado de Fora




Que seja...
Um mundo que se conspira com requintes de algo justo
De portas abertas para entrar
O bom, o mal, o falso, o perverso e a esperança...
Junto com poeira,  e algumas folhas secas
Entrar na casa vazia da cidade
Entrar no jogo
Entrar na mesa
Entrar no pão e no pano de chão

Vestir-se de imagem e dar-se por satisfeito
Na cena da obrigação
Com o escudo, por direito
Sem espelho, por necessidade
Recoberto das malhas de tramas que cobrem a carne e as manchas da pele
Armadura da nulidade, por necessidade

Que seja o que não é
O que institui como vagão em movimento
Carga e destino, que nem sei, destes convidados
Que não sabem que apenas os sentidos é que podem se fartar
Que o corpo é toda sua vida possível
Toda carga que é sua, apenas
O nu, todo seu
Mas, que seja assim mesmo
As voltas dessa tonteira
Só não me vistam dessa vontade
Não me cabe nem me diz como me dizem os desatentos
Os que vivem nus e não sabem
O velho trabalhador e sua terra vermelha
Os relevos de seu rosto
Os des-infantes
O vendeiro pobre que me serve a bebida à beira da estrada
Lá onde fica o banco, à beira da estrada
Exposto ao tempo e onde o tempo parece não existir como o sentimos
È tudo que preciso
O lado de fora

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

solidez e solidão








não quero sentimento
quero uma pedra
com forma, tamanho, peso e substância firme
compreensível
inteligível a ponto de ser apenas pedra
não uma pedra preciosa
uma qualquer, senão não será mais a pedra que preciso
não a do escultor, essa não serve
tem que ser uma pedra que não sirva para nenhuma profissão ou poema
que nem sirva para construção
pra que, não sei. mas sei que é a síntese de minhas mãos
uma que seja mais leve que minha memória
menos dura que o olhar
que me afague
que flutue no mar
ou que me petrifique, me desfaça do João para o pedro
que ninguém possa riscar um nome
que me ensine a falar, em minha boca
palavras mais certas que minha vontade
que se quebre, multiplique até o pó e a nuvem
que me atire para bem longe
da dura razão,
da lógica
e do coração






sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Banquete de Joyce







A qualquer momento acabe a minha vida
Menos ou mais...
Viver é toda conta possível durante mim
Não mais que o tempo de um inseto ou de uma estrela
A permanência pulsando morte e vida
O espelho dos sem rosto
O contorno comum dos tortuosos
Das suavidades e dos terríveis
Assombrando a casa futura
A que morde e canta
O que range e sorri
De um lado a outro, aurora e crepúsculo
Com olhos de sol e lua
O café e meus dias sobre a mesa
Minha fome macia e meus caninos
E um menu de sonhos em minhas mãos ...

















sexta-feira, 26 de julho de 2013

Tempos modernos




Não há tempo...
Nem há sujeito na oração que me descreve
Senão discurso em atos armados de força
De certeza e muitas necessidades

Não há dúvida
Nego a permissão dela
Aprisiono, ou a guardo
Pois o menor assunto a substitui
Instantaneamente...

Fazer, primeiro, sentir, depois
Agir, primeiro, sentir, depois
Primeiro comprar clipes para levar para o trabalho, sentir depois
Primeiro cuidar do irredutível, sentir depois
Primeiro tudo que acaso se encontre no cotidiano
Troca-se qualquer incerteza pela necessidade de acordar
Ou simplesmente pela necessidade de tomar um café antes de sair
Troca-se a fraqueza pelo que é preciso, sem se importar com o que seja preciso
Troca-se a contemplação pelo urgente ou pelo primeiro anúncio que lhe aparecer ao alcance da vista

Depois, o sono, necessário ao corpo, cuidará de silenciar o sentimento... de forma  indolor...




segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sinfonia




A música tornou-se um enigma
Como palavras recitadas
Sem afeto, sem verdades infantis
Uma armadilha impenetrável

Está ali e é ausente
Como quem não mais sente amor
E vive ao lado
Injustificável presença
Com dedos que tocam as grades da vida
Prisioneiro distante...

Instrumento mudo do ser
E sua melodia é tão simples
Tão perto
E tão sua...

sábado, 13 de julho de 2013

Ratio essendi






é um homem
sem muito o que dizer

observa as formigas em marcha
e uma velha galinhota adormecida

manhãs que se rompem com a força de muitas flores
como o mover do mundo
num pasmo silêncio
a ocupar os conceitos
antes que lhe venha o nome

Deve ser um homem
Quieto e sem dizer nada
Que tem a si, sem se saber

Num caminho possível
Que ainda é seu
Apenas sentindo...







domingo, 7 de julho de 2013

Besta fera




















se você volta
tudo é possível nesse mundo que pode
ainda que te pode, um mundo em volta
vence se tens a coisa que te veste e rodeia
se volta sua candeia
se tens seu caminho
mesmo sozinho teu riso floreia
se esconde seu coração
debaixo do gibão
na força de seu sentimento
nem sol, nem fogo ou luar
nem mesmo a hora fria
na andança sem companhia
como desconhecida fera
nada te muda o acento
se você volta
se você voltar












sábado, 6 de julho de 2013

Repente





centelhas caídas
amarelas
ainda com suas asas plenas
flores incandescendo a grama
intocáveis, mudas
no meu olhar jardineiro

flores, ainda
aos pés do violeiro
de camisa amarela
de chapéu
meu repente
caído em canto

se as flores olvidas
não sabes o caminho
no desapercebido dos teus pés

Dançam,  minhas horas
Sobre os amarelos caídos
No dez pés, beira-mar














terça-feira, 25 de junho de 2013

Pequena Cantiga

























Minha cantiga tem tom de alvorada
De vinho e luzes de candeia
Anda leve em passos de tropeiro
Minha viola
Vida por um fio

Minha tristeza em gotas de alegria
Inunda o sertão da minha espera
E em cada riso, cada dor florindo
Perdendo versos
Quebrando tempos

Minha cantiga tem muitas canções
Que me abraçam na hora mansa do dia
E escondo em meu bolso vazio
A carícia de coisinhas
Em tom maior
De fantasias

Minha cantiga contigo vai
A saudade comigo vem
Como balanço
Como eco e sentimento
Como folia
E como lamento







quarta-feira, 19 de junho de 2013

Avante


















Abraça meu destino
Como me abraça o sono
E me vença como um beijo me vence
Sem que eu saiba o nome do gosto, que sempre se altera

Me acaricia a cabeça
Desenhando caminhos com seus dedos leves
Enquanto avançam as horas poucas
Em que esqueço que tem um dia inteiro
E o dobro dele, calculando meus limites
Como avarento espreitando lucros

Me sabe o peso que tenho
E as sementes que plantei
À palma desses cantos
Ao sabor desses ventos

Mas, acorda-me mais uma vez
Para ouvir a orquestra das inúmeras coisas
E o silêncio de tudo que é essencial
Avante...




sábado, 8 de junho de 2013

Acordando





Não sei destas manhãs, uma a uma
Quantas novas a nos tirar de tempo, irão
Quantas que bem longe, tantas vezes
Reviraram o riso
E a possibilidade de parar o tempo
No instante em que tudo parece estar mui bien

O sono, leve na alvorada, desperta
Como olho de pássaro
Como espada de ponteiro de relógio
Como hélice de moinho dos tempos
Como girassóis vermelhos

Íntimo inevitável
Vem no bolso em qualquer jornada
Pra qualquer momento novo, um a um
Como momento guardado
Único e  desmedido...









quinta-feira, 30 de maio de 2013

Alvorada





Me liberta...
Dessa coleira dos dias
Desses dias de cólera
Que não me suportam esse costume meu

Me dá o tempo
Da vida desacostumada
De cores sem formas
De pedra e folhas verdes

Vida entre as ruínas
Heras retorcidas
Laureando colunas rotas
Em sinfonia de ventos frios

Dá-me uma porta sem trincos
Um portal
Que possam atravessar por ele, meus sentimentos
De como ia brincar no quintal

Dá-me um tempo
Que não deixe o amanhecer
Arrancar-me desses braços
Do sonho, da madrugada
Da brincadeira
Do pouco que é meu









sábado, 18 de maio de 2013

Correnteza







Quis subir pra ver o céu da noite
Mas tinha um sol no meu peito

Quis também vestir-me do sol do dia
E um manto a me dizer, faz frio, mentia...

E tanto a me enganar, a dor florindo
Em tantos desiguais sentidos

A sede em mim nascia
Por um copo d´água de rio corrente
Um elo que solta e que chove
Na alma, o vapor que corre
Que no leito, são afluentes
A cruzar o paralelo e o infinito

Pela regra do ser, que nunca cabe
Pela regra da vida, desconhecida...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mãos finas



O dia se me desdobra
Em cada tom do céu, irrepetível, cinza, azul
Também em cada lugar que mudo e sinto a umidade ficar diferente
Ou sombra ou sob as luzes pálidas
Os clarões de telas e olhos apagados, me desdobram
A mansidão do anoitecer me eleva em íntimas provas tão desconhecidas
Que nenhuma outra nau é mais segura que a que me devaneia nos mares do sono
O avançar da hora não sabe me lembrar que a terra dança sua vida
Mas cada pequena parte da natureza me silencia discursando um mundo paralelo
E vejo tudo tão fora de lugar
Tão fora quanto meu pensamento
Me exilando dum real das coisas
Até que num hiato desse exílio eu simplesmente reconheça
E me confesse, tomar muito cuidado com os dias
Pois não sabem o que são eles os historiadores
Nem os filósofos sabem mais que os estivadores
Nem quanta inveja deles devem sentir
Por eles simplesmente carregarem sacos de um lugar a outro
Pesos tão repetidos
Mas ao final estão leves e risonhos
Livres de qualquer peso, até a próxima carga
Levitando qualquer dúvida
Piedosos com os fracos com suas cargas insuportáveis
Com suas mãos finas
E suas dores divinas



Tris







Por um tris...Por um tris de um momento
Por um tris de uma palavra, ou qualquer circunstância que nos acompanha, imperceptível
Essa coisa nos permanece, como o detalhe que muda o todo
E se tudo mudar, o detalhe é o que ficará
Intacto como um pequeno objeto. Mínimo e essencial
Para não mudar nunca. Pra guardar nessa pequenina parte do todo que já não há
Por toda a vida, aquele instante tris, por muitos momentos que nem sequer lembramos que existe
Escondido e vivo, capaz de mudar as cores das cores e o som dos sons
Mudar dentro e fora
Capaz de nos fazer voltar
Depois de tudo, fazer nos reconhecer
Porque tanto nada nos faz parte verdadeiramente
Porque muito pouco vale a pena guardar


terça-feira, 16 de abril de 2013

Mancha







Minha alma
Lençol que sangra o vinho de meu tempo
Aquieta-se como espada na bainha

Ignoro qualquer questionamento sobre o injustificável
Sobre o que tenho feito
Ou desfeito no caminho de minha vocação

Não exijo um lugar melhor para o almoço
Com tantos dissabores já  experimentados
Mas não deixo empobrecer meu gosto
Escondo um requinte de delícias para poucos e raros momentos...
E sei que meu olhar espreita a beleza
Que minhas mãos não esquecem a linguagem dos que se calam

Mesmo assim, quietos meus sentidos
Guardam flores sob a neve
Admiram as manchas do acaso humano
Do descuido do mundo
Que apenas vive
Sob o sol e o luar
Nas janelas de luz nos prédios
Nos becos escuros
Nas paredes de minha alma

sábado, 13 de abril de 2013

Zumbido




Meu pequeno caderno
Que se abre como uma porta
Pra um canto meu
Onde minimamente desenho meus sentidos
Onde procuro uma voz pra cada palavra
Como flores que parecem ser o canto dos arbustos

Hoje, um lamento entoa um canto em cores quentes
E são apenas meus garranchos toscos florindo
Minha fragilidade vibrando um zumbido de abelha

E sei que tão pouco é preciso
No meio de tudo
Quase nada é preciso
Apenas o que falta
Não uma sinfonia
Basta a canção
Um sorriso...










domingo, 24 de março de 2013

Soledad




Enfim à sós com o inesperado, com o tempo e mais umas coisas poucas para o caso de precisar delas.
Insisto com este corpo irreversível. Máquina experimental de uma vida inquieta
descascando todas as fotografias até chegar na semente
solamente...

e tantas lembranças flamulando como bandeirolas num dia de festejo.
Incontáveis e sem que eu possa sabê-las por inteiro.
Mas as sinto como numa rua, numa praça de interior. Meu interior, minha vida....
festejo a vida com as ruínas e as plantinhas verdes brotando nelas
Com o olhar das janelas, com as luzes na noite e o brinco de estrelas que não sei o nome
e canto...

Um gole e uma canção pra saber que a solidão não pertence a apenas um
Ela nos iguala, nos diminui, nos torna mais humanos, humanamente inspirados ás cantigas
Para passar os dias todos e cada dia inesperado
Pra resistir, pra permitir um sorriso
pra voltar e esquecer que não somos para sempre...
solamente...




sábado, 16 de março de 2013

Grande homem



É grande o homem que é pequeno
Que nega as alturas
E põe toda sua existência na dimensão de seu corpo
No limite de sua força, na agilidade, no suor, nos pesos que levanta
Na corrida que lhe põe à prova, com poucos diálogos com a inteligência
Deixando-a sem alimentar o suficiente para ela não se libertar
Grande esse homenzinho comum, invisível, feio e ignorante
Completamente cercado de problemas menores, rasos
Ou problemas rudes
Longe dos problemas complexos, refinados... como alguém que prefere não mexer
para que suas mãos não destruam com a indelicadeza dos calos
A inflexibilidade das mãos e do seu olhar
Esse grande homem que guarda seu sentimento simples
Que não vê muitas cores
Que não ouve muitos timbres
Mas que pedala esvoaçadamente uma bicicleta, atrasado!
Que emprega sua potência, toda, ali, indo desesperadamente.
Habilmente, realizando proezas do corpo numa bicicleta, atrasado...
Sem se importar com o resto do mundo, preso num mundo seu, atrasadamente louco
Navegando entre os automóveis de ferro
Como carne entre ferrovias, rápido
Esse grande homem caído e atrasado
Com sua bicicleta desforme
Com rosto sereno... leve, caído
Que não diz de sua vida mínima em seus momentos seus
Momentos talvez de querer uma outra vida
Ou uma outra bicicleta nova
De ir numa festança, onde tem mulheres...
De fazer um jogo... de saber do jogo
De comer um pão com ovo e café com leite...
E agora, para sempre sem tempo
Não sabemos se conheceu alguém para avisar...
Nem se ele se disse...
E e nem dá pra saber se ele amava



domingo, 10 de março de 2013

Fuga nº1





Nas lacerações do pensamento
O corpo ainda se sustenta
Amargo
Assim são os cortes todos
Planos, retos, implacáveis
Espelho cego a dividir a face entre luz e sombras
Entre  riso e espanto
A inteligência, além e sobre tudo, mantem íntegra a forma
Como uma ração necessária aos encarcerados
Esses seres domésticos na dança da liberdade do quintal
Enquanto cercas com farpas desafiam a carne dos sentidos
Enquanto os muros abrigam os desvalidos
E outros se amam com frases breves
Com riscos e manchas descoloridas
Embora cortes também dividam
Cortes renovam as ramas
Salvam vidas
Até mesmo dos que não sabem o que é viver




terça-feira, 5 de março de 2013

Polifonia














Minha solidão abarca meus segredos
Fico a derivar meus motivos por úmidos caminhos
A matar minha sede com espinhos verdes e flores secas 
Como hélices de moinhos de Van Gogh 

Sim, agora o deserto, com versos de vento e areia,
Me afoga com o raso e o profundo,
Com o azul e o sol. 

Me findo contemplando pipas fecundando nuvens
Sem saber voltar ao chão 
Aves sem patas na apologia das distâncias 
No limite do carretel

E na redenção da noite,
No ensaio polifônico das bocas malditas
No apedrejar de líguas à humanidade
O resgate tácito do sensível pelas sombras e olhares
Entrepoemas, 
Manifesto canto
Livro, copo e fim.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Estante, instante





No fim
São palavras...
Foram palavras apenas a encher de cores o vazio

Se fico envolto na pausa
Em pensamento ávido para ser cantado ao mundo
Não há palavra que me cesse

Mesmo sendo as horas como um livro na estante
Sem o voo das páginas abertas
Palavras apenas, desertas

Uma delas bastaria...

Uma que me vestisse de calafrios
Que me cuidasse o tom
Pra dizer o simples que me reverbera
Palavra, pra dizer o muito
Um quase nada sem fim
Para o fim da espera...



domingo, 10 de fevereiro de 2013

Carícia de veludo




quando eu for embora
não será meu nenhum dos meus passos
nem escolherei a direção
como os ventos, confusos nos caminhos e casas da vila
que não se vão sem que tenham acariciado as plantinhas do quintal
sem que tenham entrado em sua janela e veludado seu rosto
com o frescor das sombras do Muiarobi

quando eu for embora
será minha essa outra razão que não vive meus sentidos
será um ir embora como são as ruas e as estradas
apenas aguardando o primeiro passo
para garantir a existência delas
não importando o que eu leve na mala
nem o valor da bagagem que me condena

quando eu for embora irei errante, entre moradores
tropeiro, servo do caminhar
irão ciganos os meus dedos e minhas mãos
exilado dos céus de estrelas do meu quintal
o meu olhar
que se fechará como um abraço
pra permanecer no eterno e imaginado



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Sempre




Quem dera, quem dera...
Primavera,
Fogueira, quem me dera...
Dará flor, no frio
Espera, aqui dentro, tão pequenina 
Lá fora, o impossível
Agora, o improvável
Depois, o depois
Antes, o sempre...





segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Mais um dia





Digno é o sono do lavrador
Que se deita como o horizonte
Sereno como a terra
Silente como a estiagem

Quando lhe assenta na expressão do rosto
Desenhos de areia de fundo raso de rio

Mansa, a fera que o habita
Como uma outra vida
Como num outro mundo nesse

Um silêncio amado pelo corpo
Ternura inocente e breve como a madrugada
Suas mãos abdicando de sua força
Sua jornada que te espera

Mas ainda é noite e estrelas
Ainda é sonho








sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

despertar do mundo





meu lugar não é longe
é volta e simplicidade
um pouco onde tudo recomeça
recomeços instantes...

um caminhar que se perde, livre
por vias retas, seguindo em curvas
saltando muros
subindo em árvores...

lugar meu é perto
é chegar
com o mínimo que for de mim
restauro de mutilações de um dia
do que falta
do que me cabe
e insiste a cada dormir
a cada despertar do mundo

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Entulho






Pedaços...
Apenas e enfim...
Quando me ensinaram alguma coisa
Quando me contaram alguma estória, 
Alguma norma, algo de útil
Algum encontro, que não soube como guardar
Mas permaneceu uma parte, um fragmento mínimo na memória
De alguém que dividi a mesma sala na escola e não me lembro o nome
De um monte de assuntos dos livros regulares
Das lições infindáveis que me roubavam as manhãs de sol
Das infindáveis banalidades de uma vida

E tudo que julgo saber são pedaços
De sabedorias maiores, de maior campo
Enquanto fico na sela de meu saber
Rodeado de pedaços de sentidos
Sentidos velhos, esquecidos, como os instantes daqueles, presentes
Descontinuidades mutiladas pelo tempo
Que não há volta para elas, ou simplesmente falta o olhar para elas

Mesmo os pedaços que julguamos inteiros
Até que sejam mutilados pelo espaço de um dia, ou de muitas eras
Mutilados por uma vida nova
Por alguém que mutila, ou nós mesmos mutilamos
Pois somos feitos de carne e lâmina
Feitos do primeiro corte

Carregamos esses pedaços
Como vindo de uma feira
Passeio cobiçoso para matar nossa fome
Ou apenas nos enchemos de incabíveis
E sabemos do seus pesos pela marca da roda no caminho
Nessa galinhota singela
No retorno de casa
Nos calos das mãos que se escondem nos olhos
No vazio e no caminhar
No abraço do sono
Depois de uma jornada












quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"Poi piovve dentro a l'alta fantasia"





É como no sertão a chuva
que nem sempre lá desmancha
viver de esperar, de guardar a fé
a sulina da demora estala
olhando se no céu um ramiado de nuvem
daquela que vem no vento norteado bem querer

o coração trovoando de medo e de alegria
de ver a chuva beijando o chão
chovendo me beija
inunda minha morada até as vazantes
um cheiro que invade a casa pelas janelas
um barulho de incontáveis alegrias
cristais alados brincando no telhado

um calafrio no rosto
um arrepio nos braços
e a roupa toda molhada
pois ela me pegou
no meio do caminho de casa
quanto mais corria, ela me abraçava
quanto mais sorria, ela me molhava

e depois no estio
uma calma fazia
todo me recolhia
porque, ela agora
o sertão guardava...